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Reviver em imagens o espetáculo da vida
Setembro, 2009

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
(Fernando Pessoa)


Dentre meia dúzia de razões pelas quais eu gostaria de estar em Natal hoje, uma é a exposição de Canindé Soares “Espetáculo das Águas”. Atravessava um oceano só para poder privar com este que é um dos maiores profissionais da imagem que conheço e tenho o privilévio de chamar amigo. A exposição, inserida nas comemorações do Ano na França no Brasil, é inaugurada no Sarau da Aliança Francesa juntamente com um painel sobre Fotografia apresentado pelos fotógrafos João Maria Alves e Marcus Ottoni.

No cenário da Fotografia Potiguar, onde gerações de repórteres fotográficos formaram-se na dureza das pautas diárias e de plantões intermináveis, tive o privilégio de iniciar-me profissionalmente com uma já experiente “geração de ouro”: Argemiro Lima, Ivanízio Ramos, Ana Silva, Marcelo Andrade e Canindé Soares, todos eles determinantes naquela altura em que eu, há quase 15 anos, definia os meus parâmetros de fotojornalista. Um “dream team” com o qual pude aprender nos meus tempos de jornalismo diário na Tribuna do Norte.

Depois, já fora das pautas diárias e determinada em contribuir para a formação de novas gerações de jornalistas e fotógrafos, visto que, na altura, a fotografia de imprensa era ainda campo pouco explorado academicamente, encontrei em Canindé um exemplo de profissional empenhado numa luta constante por mais qualificação, reconhecimento e melhorias para esta classe profissional tão essencial para a comunicação: o repórter de imagem.

Canindé começou a fotografar no início dos 80. O país vivia ainda os seus últimos anos de ditadura militar e a imprensa crescia com a necessidade de informação e transformação da sociedade. Neste contexto de mudanças, quis o destino que as Forças Armadas perdesse um dos seus membros para a Fotografia. Desde então a imagem invadiu as ideias deste novo fotógrafo que, da reportagem social à imagem de informação, traçou o futuro da sua já longa e bem sucedida carreira. E da pesada Nikon FM2 à actualíssima D3X, Canindé Soares acompanha esta transformação abrupta do mundo atual em imagens.

E se tudo é imagem, com o “maravilhoso advento da fotografia digital” tornou-se possível captar milhares de fragmentos da realidade sem a necessidade de técnica ou reflexão e propagá-los de uma forma muito mais instantânea e pulverizada que no final do século passado. É um dado adquirido com fotografia digital e acessível às massas que mudou definitivamente a relação que as pessoas têm com a realidade. Por estarmos “no olho do furacão”, talvez não tenhamos nos dado conta da dimensão do impacto desta profusão de imagens para a percepção do agora.

No entanto, com o facilitismo dos meios digitais, é preciso valorizar ainda mais o olhar por trás da lente. É este olhar peculiar, treinado, seletivo e apaixonado que determina, à partida, a percepção que o espectador terá de uma imagem. O olhar que viaja para além do óbvio, que capta uma essência imortaliza um fragmento de tempo traduzido em pontos, pixels, bites e emoção, não se constrói instantaneamente, mas sim quase que instintivamente. É este olhar que devemos buscar. É este olhar que encontro nas imagens de Canindé Soares. Um olhar traduzido em imagens que me chegam de tão longe, tão imediatamente e preenchem-me com o desejo de retornar aos lugares ali eternizados.